CRÍTICA: Filme “50 Tons de Cinza”

50 TONS DE PSICOPATIA

Impressiona a repercussão de 50 Tons de Cinza, “o filme”, como foi alcunhada a obra levada às telas.

Basta se debruçar um pouco sobre a trajetória da diretora, Sam Taylor-Johnson, e fica fácil entender como uma literatura (“o livro”), que já se destinava a fomentar uma fome social por psicopatias as mais diversas, vai parar nas telas.

O livro explodiu em vendas – o que faz pensar na dimensão do desvio social predominante neste início de século, de comportamentos abusivos e desvios mentais ligados a comportamentos sexuais, os mais diversos também.

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Não impressiona perceber que em tempos em que se combate a apologia do abuso sexual em todas as esferas, alguém é aplaudido por colocar na tela uma história assim? É um psicopata que se une a uma vítima – dispensa assistir o filme – e tudo vai rodar em torno das múltiplas variáveis do tema.

Gastar tempo se dedicando à leitura dessa obra ou ao filme é como ficar horas e horas estudando uma única vogal. Se o filme ou o livro se valessem ao menos a algum alerta, a algum objetivo nobre, eu bocejaria menos. Mas como é entediante ver o universo literário e cinematográfico girar em torno de assuntos que podiam servir de estudo clínico para desvios de personalidade, de caráter. Pega-se o doente e eleva-se à condição de “curiosidade”.

Daniela Arbex, jornalista, fez há algum tempo um livro sobre mazelas cometidas em sanatórios – esse, sim, um tema elevado à seriedade e que merecia mais holofotes. Há tantos outros temas que poderiam ser focados.

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Mas não é sério. Não, não é sério o que o filme ou o livro fazem. É pornografia aberta com a desculpa de abordar algum traço de personalidade humana. Não, não é um traço de personalidade humana. Chama-se psicopatia social, e é assustador como avança epidemicamente sobre uma sociedade vulnerável de valores – várias sociedades, diga-se.

Nenhuma crítica à diretora. Ela apenas age de acordo com o que já traz em sua trajetória, do tipo que filma ou tira fotos de famosos enquanto dormem, ou se reflete em seus trabalhos com chacotas sexuais, não é de admirar. E alguém chama a isso de “novos cineastas britânicos”. Seguro um riso aqui – não, não é sério. Conheço cineastas e diretores sérios, e eles existem.

50 tons de degradação. 50 tons de acefalia criativa. Os psicopatas com câmera na mão sendo chamados de normais. Se Hitler vivesse hoje, capaz que alguém ia querer colocá-lo como diretor de algum filme, será? Eu não duvido.

Para resolver 50 tons de vazio cultural, talvez 100 tons de lucidez ajudem. Talvez leve tempo, talvez não. Não tenho a pretensão de ser o estopim de nada, nenhum protesto moralista – até porque psicopatia é amoral; psicopatas nem tem a palavra “moral” em seu vocabulário. É um estado de desvio, e me comove, seja em qual âmbito social for.

Escrevo esse não tão pequeno comentário depois de ouvir um grupo de adolescentes conversando sobre como agir como a menina do filme, que é vítima do desvio mental do protagonista. Para elas, um show de poder e atração. Para quem observa de fora, é uma pena.

Meu melhor bocejo ao livro e ao filme, nenhum dos dois com consistência suficientes para serem chamados de arte, seja literária, seja cinematográfica – ainda que contraventores digam algo diferente.

Em tempos de escassez, surpreende que recursos sejam destinados à apologia do abuso sexual, e temas correlatos – a troco de nada, ainda por cima. Não acho outra palavra: tédio.

Fico me perguntando quem ganha e quem perde com essas obras. Quem ganha são os doentes interiores, quem perde é a sociedade contemporânea, comendo comida estragada e limpando a boca com guardanapos usados por psicopatas.

50 tons de exploração. 100 tons de desperdício.

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Etiene Arruda é jornalista, crítica literária, escritora e empresária. Graduada pela USP e mestre pela BBS-Richmond University, é membro da ONU, ministra treinamentos e palestras, e é membro do Ministério Internacional Torre Forte.